segunda-feira, 28 de setembro de 2009

AO ANOITECER


Um jovem casal passava férias com seus dois filhos, escolheram, por recomendações de amigos, uma pousada cercada de montanhas com um rio cortando-as e que ficava a pouco mais de duzentos metros da pousada, além de uma linda cachoeira que descia de um dos lados da montanha, muitos coqueiros e palmeiras completavam aquela paisagem belíssima.
No segundo dia de estada naquele paraíso, Lincoln caminhava vagarosamente pelo verde gramado próximo aos alojamentos da pousada, começava anoitecer, o Sol muito vermelho sumia, engolido pelo horizonte, as multicores do céu davam mais beleza aquela paisagem. Passando defronte a capela que fica dentro da área que compunha a pousada, Lincoln sentiu um forte desejo de entrar um pouco, a capela sem portas estava permanentemente aberta, convidando os freqüentadores do local a agradecer o Criador por ter feito um lugar tão bonito.
Lincoln estava sentado com os olhos fechados quando ouviu passos vagarosos, alguém adentrava ao santuário, logo um leve arrastar de banco e tudo ficou quieto, Lincoln abriu os olhos, virou-se e notou ser um senhor com mais ou menos setenta anos e já se encontrava orando, ficaram assim durante alguns minutos. Após suas orações o velho levantou-se do banco onde estava e veio sentar exatamente no banco onde o Lincoln se encontrava:
- Estou incomodando?
- Ah! Não, não está, já terminei minhas orações. – A princípio Lincoln estranhou a vinda daquele senhor ao seu banco, pois haviam tantos outros desocupados.
- Vem sempre aqui?
- Não, é a primeira vez. E o senhor vem sempre?
- Vinha mais, hoje em dia dependo muito de quando minha filha pode vir, ela trabalha muito, dificilmente tem tempo!
- Só tem ela!
- Não, tenho mais dois filhos, dois rapazes, mas não moram no Brasil, se formaram e foram trabalham no exterior.
- Muitas lembranças?
- Muitas meu filho... – O velho dá uma pausa – muitas mesmo!
- Boas ou ruins?
- Boas, todas muito boas! Inclusive, ontem e hoje estive observando sua família e lembrei da minha, você tem dois filhos e uma bela esposa.
- É, tenho um filho de sete anos e uma filha de quatro.
- E a esposa!
- Ah! É, minha esposa... estamos casados a nove anos.
- Algo não está bem entre vocês?
- Está tudo bem sim – pausa - porque o senhor pergunta?
- É que eu estive observando a movimentação nesses dois dias, é o que um velho pode fazer de melhor, observar, e não pude deixar de notar que vocês estão sempre distantes.
Primeiro Lincoln ficou meio constrangido por falar de sua intimidade, mas aquele senhor transmitia tanta paz e segurança que resolveu se abrir:
- Nosso relacionamento esfriou muito! Nós viemos para cá tentando nos dar uma chance, mas percebo que não dá mais não...
- Isso é muito triste, o fim de um amor é triste... – O velho falou pausadamente e calou-se.
- É realmente, eu amei muito minha mulher, mas de alguns anos para cá, nós nos afastamos, a rotina no casamento, a correria do dia-a-dia: trabalho, cursos, filhos, viagens a negócio, encontros com amigos; ela também trabalha fora, está tudo muito difícil – Lincoln abaixa um pouco a cabeça e completa – tem também outras mulheres... – cala-se.
- É, quando o amor é bonito vale a pena investir, vale qualquer sacrifício.
- O Senhor fala com muita convicção. Chegou a viver problemas no seu casamento?
- Claro que sim. Eu me casei muito apaixonado, minha esposa era maravilhosa, tão bela quanto a sua, a gente se entendia muito bem, tivemos três maravilhosos filhos, com o tempo ela se tornou apenas mãe e eu pai, nossos diálogos foram reduzidos a problemas caseiros: filhos, escola, contas, daí em diante tudo desandou, eu que nunca havia traído minha esposa, não resisti aos encantos de uma colega de trabalho, e assim foi durante algum tempo. Um dia cheguei em casa depois do barzinho com os amigos, minha esposa me comunicou que iria fazer uma viagem com as crianças e que iria ficar um tempo sozinha para pensar sobre nós, nesse dia eu percebi que estava perdendo minha família e a mulher que tanto amara. Fiquei entre deixá-la partir e assumir a outra em definitivo, mas algo dentro do meu coração pedia uma nova oportunidade, era mais forte que a minha razão, foi então que pedi que me desse mais uma chance, sugeri que fizéssemos uma viagem juntos, ficando só nossa família e, se depois de tudo se ela achasse que devia partir eu não impediria. Á princípio ela relutou, dizia já ter tentado de tudo e que já havia tomado a decisão, nesse momento eu percebi que estava perdendo a chance de ser realmente feliz, resolvi que despojaria de qualquer orgulho e implorei, pois sabia que quem mais errara havia sido eu. Ela aceitou e nós viemos para este lugar, na época ainda era uma propriedade de um amigo, era tudo muito rústico, ficamos só nós, durante o dia íamos ao rio pescar, passeávamos a cavalo, tomávamos banho de cachoeira, fazíamos caminhadas, jogávamos bola, à noite jantávamos, acendíamos uma fogueira no terreiro da casa ficávamos inventando jogos e contando histórias. Via meus filhos correndo alegres e a alegria dos meus filhos e o belo sorriso da minha esposa me davam a certeza de que havia tomado a decisão certa. Resolvi investir em nós, conversamos muito, falei tudo o que eu não gostava e o que me deixava chateado, ela por sua vez também não deixou barato, fiquei sabendo tudo o que ela pensava sobre mim, percebi o quanto havia machucado-a, o quanto machista fora, foi tudo muito bom. Quando voltamos para casa nosso relacionamento mudou muito, estávamos mais unidos, mais fortes... – o velho dá uma pausa.
Lincoln se identifica muito com a história e resolve saber mais:
- E quanto à outra?
- Percebi que não a amava verdadeiramente, ela era apenas uma fuga, eu buscava a jovem que eu conhecera e que se tornara mais mãe que esposa, talvez mais por uma visão minha.
- E a relação de vocês com este lugar foi só naquela vez? Lincoln, na realidade estava usando essa pergunta para saber mais sobre a história do velho.
- Bem, depois daquela vez passamos a vir aqui com mais freqüência – nesse momento o velho pára, vira o corpo e fita o vazio lá fora – quando começo a pensar naquela época posso ver meus filhos correndo de um lado para o outro, os jogos de futebol, as pescarias, como éramos felizes, as idas à cidadezinha próxima daqui, as cantorias acompanhadas pelo violão tocado pela minha esposa. Ainda posso vê-la dando bronca nas crianças e dizendo que eu era tão moleque quanto eles – o velho abaixa a cabeça - ela era muito zelosa, dava broncas e ao mesmo tempo era carinhosa. Percebi a tempo que ela não precisava só de um bom pai para nossos filhos, precisava também de um marido, amante, um companheiro; e olha que isso nós fomos, como fomos! Envelhecemos juntos, vimos as crianças crescendo, primeiro o mais velho foi fazer faculdade na capital, logo o outro ganhou um bolsa de estudo no exterior e também foi embora, apenas minha caçula ficou, fez medicina, ficou na cidade morando e trabalhando. No final ficamos apenas eu e minha esposa, os filhos pouco nos acompanhava nas viagens, mas mesmo a saudade deles não nos impedia de sermos felizes, mas... - Nesse instante Lincoln percebe que uma lágrima teima em rolar pela face do velho.
- Prefere não falar!
- Não, não, eu falo, as lágrimas são de boas lembranças, como estava falando, há seis anos minha amada me deixou – o velho curva a fronte enquanto as lágrimas escorrem pelo seu rosto – ela foi atender o chamado do criador, doeu e ainda dói, mas eu sei que ela está me esperando para nunca mais nos separarmos. Hoje eu venho para este lugar com minha filha, ela vem com sua família e, sabendo que eu gosto muito sempre me convida, quanto aos outros filhos pouco aparecem, estão sempre muito ocupados.
- O senhor considera que tudo valeu a pena?
- Se valeu! Hoje eu tenho consciência que a vida é feita de detalhes e são eles que irão nos alimentar, nos darão força para continuar vivendo, não sou saudosista, tenho boas lembranças e são elas que me impulsionam. São elas que me dão a certeza que a vida valeu e vale a pena. O que me alimenta não são as coisas que não disse ou que não fiz, mas tudo que tive coragem de dizer e de fazer e que fizeram outras pessoas felizes. A minha amada continua aqui, viva, dentro do meu coração, toda felicidade que eu lhe dei e a que ela me deu dá a certeza que a felicidade existe e está sempre do nosso lado, basta tirarmos o rancor, a magoa, o orgulho, os preconceitos, temos que viver livre das amarras e de modismo, devemos ser verdadeiros, não ter medo de viver e de ser feliz, devemos ser felizes nem que seja na marra.
- Será que eu posso ter uma historia tão bonita quanto à do senhor?
- Com certeza não. Cada um faz sua história e ela pode ser melhor ou pior, mas é a sua historia. – O velho dá uma pausa na conversa - Desculpe-me, vim aqui, atrapalhei suas orações e fiquei falando o tempo todo!
- Não, não está atrapalhando, foi muito bom ter ouvido sua história.
- Bem tenho que ir, minha filha já deve estar me esperando para o jantar, meu genro é impaciente e amanhã levantamos cedo para viajarmos de volta. Os dois se levantam caminham silenciosos até fora da capela.
- Está uma noite muito bonita, uma linda Lua cheia, inspirativa, diria! Bem, vou chegando, boa noite! - Despede-se o velho.
- Boa noite! - Responde um Lincoln contemplativo.
O velho sai caminhando em passos lentos deixando atrás de si um homem pensativo, aquela história havia mexido com Lincoln. Ele ficou ali mais alguns minutos enquanto observava o velho seguir seu caminho sendo iluminado pelo clarão da noite enluarada.
- Boa noite, amor!
- Onde esteve até agora?
- Andando por ai.
- Sozinho!
Lincoln não respondeu, aproveitou que as crianças não estavam por perto, puxou sua esposa para junto de si:
- Eu já disse que te amo muito!?
- O que houve? Há muito tempo que você não age assim!
- Pois então pode ir se acostumando, agora vai ser assim! Lincoln abraçou forte a esposa e deu-lhe um longo e ardente beijo.

Autor - Inivaldo Gisoato / outros http://www.gisoatotal.com.br/

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