terça-feira, 26 de julho de 2011

O DOMADOR DE MONTANHAS 2

Eu já estava há mais de dois anos acompanhando grupos em trilhas e rapel, quando aconteceu um fato que foi marcante para mim. Estava com um grupo de seis jovens, quatro moças e dois rapazes, durante a trilha fomos fazer rapel, três moças haviam descido, tudo transcorria bem, a quarta jovem, que vamos chamá-la de Tânia para preservar sua privacidade, estava um tanto ansiosa, mas os amigos estavam dando força dizendo que não havia perigo, que ela ia adorar, enfim, ela decidiu, iria descer, preparei todo equipamento, ajustei - faço a descida sempre com duas cordas para evitar qualquer risco - dei inicio à descida da jovem Tânia, lá embaixo estava meu filho Alexandre que dava a sustentação; a jovem estava indo bem, havia descido uns quinze metros quando parou, em seguida começou a dizer que não ia conseguir, que estava com muito medo, eu comecei falar com ela e passar segurança, mas ela se desesperou e passou a dizer que ia morrer, que não ia conseguir, ela chorava muito e, para piorar, disse que o seu pai havia morrido numa descida de rapel, que ela havia visto tudo, nesse momento eu tive certeza que situação estava mais difícil que qualquer uma outra que havia vivido, muito pior até do que aquela que eu havia passado quando pratiquei rapel pela primeira vez, nessa hora tudo passou pela minha cabeça, inclusive que deveria chamar o corpo de bombeiro, mas onde estávamos o celular não estava dando linha, olhei para os lados e vi que os dois jovens que estavam próximo a mim no platô se mostravam apavorados, eu precisava passar tranqüilidade e, principalmente, tomar uma atitude, foi quando decidi descer, preparei outro equipamento e iniciei a descida, chegando perto onde estava, ela chorava muito e, no desespero, gritava: - Não encosta em mim. – Eu lhe disse que não forçaria a nada, mas que ela deveria descer, pois tudo era muito tranqüilo, chorando ela só falava que ia morrer. Tranquilamente comecei a falar com ela, sempre demonstrando que estava seguro no que fazia, mas ela parecia não querer ouvir, em seguida, entre soluços começou contar que seu pai havia morrido durante uma descida de rapel com um grupo de amigo, que na época ela estava com oito anos, estava na parte de cima da cachoeira, que não havia visto o pai cair, mas que ouviu os amigos e a mãe contando. Após ouvir bastante, comecei a falar-lhe que lamentava o que havia acontecido, que imaginava a sua dor, mas que no sistema que eu trabalho é muito seguro, pois trabalho com duas cordas e, a chance de uma tragédia daquela é praticamente impossível. Nesse momento ela ficou revoltada e disse que eu falava assim porque ela não era minha filha, que o que acontecesse com ela seria apenas uma fatalidade, um acidente de trabalho, que eu nunca ia sentir o que ela sente até hoje com a morte do pai, foi nesse momento que Deus iluminou e eu falei: - Posso te garantir que eu sei sim a dor da perda de um pai ou de um filho, por isso eu tomo todos os cuidado. – Foi quando ela, ainda soluçado indagou-me: - Como você sabe? Já perdeu alguém dessa forma? - Eu lhe disse que não havia perdido, mas que aquele jovem de dezenove anos que estava lá embaixo dando apoio era meu filho, e que o equipamento que eu preparo, dá toda segurança, porque primeiro desce o meu filho. Completei dizendo – Talvez eu até relaxasse comigo, mas nunca com a segurança do meu filho! – Nesse instante um lagrima escorreu pelo meu rosto, tive naquele momento a consciência da dor que ela estava sentindo. A jovem Tânia olhou para mim e perguntou: - Você está chorando? – Pensei em falar que não, mas assumi. – Sim, estou chorando só de imaginar a dor da perda de um filho e por isso sei o que você está sentindo! – Por um tempo ficou um silencio, só alguns gritos de um ou de outro que perguntava se tudo estava bem, mas nós estávamos em silêncio. Logo ela olhou pra mim e pediu: - Eu quero descer! – Eu disse que estaria ao seu lado dando apoio, e, vagarosamente ela começou a descida até chegar na base, uma vez lá ela sentou e chorou muito, eu meu filho ficamos ao seu lado em silêncio, depois ela se levantou deu-me um longo abraço, agradeceu-me e pediu desculpas várias vezes, depois abraçou meu filho e disse: - Você tem um grande pai e ele te ama muito! - Isso me deixou muito emocionado. Essa experiência me fez crescer muito e ter a certeza que não deveria arriscar a vida dos outros, e que toda segurança é essencial.
Passado seis meses do ocorrido a jovem Tânia voltou com uma nova turma, e disse que queria fazer rapel, disse que havia feito terapia e que achava estar bem melhor, nesse momento eu fiquei preocupado, mas ela insistiu e eu não tive como dizer não. Preparei todo equipamento, meu filho na base e começou a descida da jovem Tânia, tudo foi bem até uns quinze metros e novamente ela parou, eu fiquei apavorado, ela olhou para mim e gritou eu não quero descer... – Toda lembrança veio a minha cabeça e eu tremi, lentamente ela colocou a mão numa bolsa que trazia preza à cintura, de lá tirou uma máquina fotográfica e disse: - Não vou descer enquanto não filmar essa paisagem linda! Nesse momento parecia que toda alegria havia invadido meu ser. Ali ela ficou, filmou, observou e depois pediu para continuar a descida.
A jovem Tânia voltou mais duas vezes e cada nova descida uma alegria invade meu coração e eu imagino uma filha descendo naquelas cordas e sei da responsabilidade que tenho.
Informações e reservas Jamil: Cel.: (67)84551964 m.lucia_67@hotmail.com


Fotos feitas por Inivaldo na região de Piraputanga - MS

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